quinta-feira, 12 de março de 2009

ÁGUAS SUBTERRÂNEAS
Mary Farias


E se eu te dissesse que esqueci desse mar aberto de dentro de mim? Que só olho pra fora, pras coisas? Que desaprendi irreversivelmente a gostar da solidão? Que eu não me basto? Que nadei pra terra, não quis mais me afogar? Que eu me viciei no auto-boicote, que eu não sei parar, nunca? Que eu só preciso de uma, veja bem, só uma grande idéia? E que talvez ela nem precise ser grande, mas que seja dessas que ninguém ainda teve, sabe? Eu quero uma idéia que ainda não é idéia, ainda não é nada.

E se eu te perguntasse por que meu mar fica cada vez maior toda vez que vejo essa gente? E por que quase todo mundo não passa de lago pequeno e cheio de lodo por dentro? Às vezes até por fora, olhando bem, consigo ver um pouco de lama em seus olhos. Eu vejo tanta lama no mundo.

E o que preenche um mar, sabe me dizer? O que vence a pressão e chega bem lá no fundo? Quem tem fôlego pra mergulhar assim? Pra onde é que foram os submarinos? Cadê as coisas à prova d’água? E as pessoas? Cadê a água? Só vejo o lodo saindo dos olhos e das garras.

E se eu te contasse que nada sei de rios, mares e lagos? Que o lodo é exterior, mas é o que mais compreendo? Que de compreender tanto tenho medo que se torne algo de mim? Que eu não sei o que fazer, vezenquando, com tanta água? Que às vezes quase mato afogado quem não pediu uma gota sequer? Que essa água me escapa, em muitas e muitas horas, e escorrega pelos olhos sem parar? Já transbordei tanto...

E se te confessasse que tenho este mar em mim desde sempre e ainda não aprendi a navegar?

Nenhum comentário:

Postar um comentário