sexta-feira, 13 de março de 2009

O Amor de Tamisa
Graça Carpes

Pensava em seus amores: o último que teve, quando o teve...
Depois, deixou-se estar só.
Também, havia o céu que a cada dia trazia um novo tom, uma luz outra... Reflexos bordando nuvens.
Gostava de estar só.
Espaçosa que era sua alma exigia-lhe livres vôos.
Lembrou de Lauro, foi o último de seus... Foi? Já nem lembrava mais.
Depois... Depois...
Depois de Lauro, o mundo caiu.
Recolheu todas as possibilidades.
Trancou todas as saudades.
Ancorou o barco e permaneceu a ouvir o embalo noturno das ondas.
De Lauro, lembrava que havia uma janela em direção à colina. E entre a janela e o sol, o vai-e-vem de nuvens a refletir os dias.
Até que foi bom, enquanto havia intensidade.
Gostava do cheiro do quarto... Gostava de quando sentados na cama e quase sem nada a falarem, seus olhos vermelhos se encontravam e aí sim... Ardia! Pele aderia pele!
Cada pessoa é um porto, sabia. Quando atracamos, até que acalme a maré, toma conta uma certa magia em direção norte, em direção sul... E nada se acomoda.
Há sempre movimento, ebulição. Quando estanca é a hora da partida.
E aí... Ai, como dói cerrar a porta, assinar a tela, expirar!
Arrumou suas malas no prazo de uma semana.
Os livros.
Material de pintura.
Telas sem chassi.
Pincéis, máscaras, esculturas...
Três calcinhas: uma preta, uma rosa e uma branca.
Dois pares de sandálias.
Uma saia longa.
Três sutiãs.
Duas camisetas... Era tudo!
Também, quase não usava roupas quando moravam juntos. Pareciam adeptos ao naturismo. Ao naturalismo. Ao Dionísio...
Brindavam suas taças lua à dentro, sol a sol...
Em outras horas, cores emergiam das extremidades dos dedos de Tamisa.
E aí...
Era um deus nos acuda.
Horas, dias...
Acrílicas, terebintinas, azuis, laranjas, ocres, sienas...
E Lauro esbravejava, espumava, explodia.
Batia panelas, portas, quebrava armários.
Insaciado, explodia demônios. Desarrolhava o gênio do mal.
Um dia virou a mesa ¿(a de desenho): o impulsionado vôo dos nanquins! E o canson importado hemorragiu, expirou ante o olhar de Tamisa.
Dos olhos de Lauro saltavam labaredas, Odins ensandecidos.
Dos olhos caídos de Tamisa... Nada!
Recebeu seu ultimato:
- Rua do meu quarto! Seus olhos não são meus olhos. Quatro noites.
Quatro dias. Não come, não dorme, não me acaricia...
Chega... menina!
Menina chega!
Sabia da densidade dos dias.
Era maio.
Estava agora diante da jaula cercada de tela que cercava a arara colorida, que de asas cortadas e olhos caídos e silenciosa, pagava pelo crime de ser bela.
Fotografou a aprisionada.
Registrou em seu olhar o pedido de socorro da fêmea abatida.
Guardou as mãos nos bolsos. Fazia frio na tarde.
A cor de um céu outonal gemia o gozo do entardecer.
O corpo arrepiou.
Às vezes lhe fazia falta estar em estado de amor.

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